Mais do que o desabastecimento de produtos, paralisação deixou a lição de casa das medidas que temos que tomar quanto a distribuição e como reduzir os impactos na cadeia de suprimentos.
Fabio Roseiro*
Não é novidade que fomos afetados pela paralisação dos caminhoneiros no fim do mês de maio. Seja pela falta de combustível nos postos ou pela escassez de produtos nas gôndolas dos supermercados, de uma forma ou de outra, todos os brasileiros acabaram impactados pela recente manifestação.
O caos que se instalou no país gerou um desbalanceamento na cadeia de suprimentos. Muitas indústrias e distribuidores não conseguiram entregar seus produtos – alguns, de necessidade primária na vida das pessoas. Outras foram obrigados a parar sua linha de produção por falta de matéria-prima e/ou por seus estoques não comportarem a fabricação de mais itens. Tivemos também o abate de muitos animais.
Com esse cenário, precisamos estar alertas para os novos impactos que surgirão, por conta dos seguintes motivos:
- Pessoas fizeram um estoque de segurança em suas residências, devido às incertezas de disponibilidade. Desse modo, não precisarão fazer novas compras num curto espaço de tempo;
- O varejo, a indústria e o distribuidor ficaram, pelo menos, dez dias sem ter como locomover seus produtos com custos fixos inalteráveis. Ou seja, é bem possível que tenhamos repasse desses custos ao consumidor final. É importante lembrar que muitos produtos foram perdidos nesse período como frutas, legumes, verduras e aves;
- A própria fabricação, armazenamento e distribuição possuem um tempo de espera que faz com que a disponibilização dos produtos não seja realizada imediatamente ou seja feita de forma parcial.
Segundo o levantamento da Neogrid/Nielsen, os maiores impactos foram identificados nas seguintes categorias:
Produtos | 21/05/2018 | 30/50/2018 | Variação das faltas |
Feijão | 3,1% | 14,1% | 349,9% |
Vegetais (pré-preparados) | 4,9% | 14,8% | 294,2% |
Farinha de trigo | 4,4% | 13,1% | 232,0% |
Arroz | 4,8% | 15,9% | 203,7% |
Frutas, verduras e legumes | 7,6% | 20,3% | 201,3% |
Pão | 8,8% | 24,1% | 188,7% |
Iogurte | 5,3% | 13,5% | 141,6% |
Congelados | 7,9% | 16,3% | 128,5% |
Conservas | 7,2% | 13,3% | 113,8% |
Leite longa vida | 10,0% | 19,9% | 112,2% |
Frango in natura | 10,5% | 18,9% | 98,7% |
Mas o que devemos fazer para que não tenhamos uma cobertura de estoques acima do necessário, comprometendo assim o giro dos mesmos? Temos que entender a demanda e a distribuição de maneira adaptativa.
Os cenários até então estáveis não são mais realidade e não devemos realizar o envio de todos os materiais contidos na cadeia de suprimentos ao varejo. Temos que minimizar o fato de que ocorreram perdas efetivas de algumas vendas e que elas não irão, nesse momento, voltar ao mesmo patamar em que estavam anteriormente à paralisação.
A lição que fica é: precisamos ter uma reação mais efetiva quanto à distribuição, e o DRP (Demand Replenishment Planning) deverá reagir à demanda, levando em consideração as vendas que estão sendo realizadas a partir do momento da disponibilização dos itens. Para que isso seja uma realidade, precisamos também considerar que o melhor cenário é a distribuição com base no MTA (Make to Availability), onde tratamos a cadeia de suprimentos de maneira puxada e não mais empurrada. Temos ainda que ter como foco um alto grau de capacidade de reação/ressuprimento da demanda que foi alterada.
Outra maneira de minimizar os impactos causados é a utilização do conceito de VMI (Vendor Managed Inventory), em que a manufatura é responsável pelos estoques dos varejos/distribuidores. Com isso, a indústria tem a visibilidade de todos os níveis estoques, controla a possibilidade de perda de vendas nas redes varejistas e ainda constrói acordos com o varejo.
Nesses momentos, é necessário que o planejamento e a disponibilização responsável sejam uma verdade, pois toda a cadeia de suprimentos foi afetada. Tentar resolver a falta de ganho de uma única vez pode não ser efetivo a médio e longo prazo, pois estaremos enchendo os varejos – e será necessário, posteriormente, realizar ações para baixar preços e evitar que os produtos fiquem empacados nas prateleiras.
A cada dia se fala mais em blockchain e como ele pode auxiliar a visão do todo em uma cadeia de suprimentos. A verdade é que, mais do que nunca, é necessário estabilizar a demanda, permitir que todos possam visualizar suas perdas e evitar que suas necessidades sejam simples moeda de troca, mas sim uma forma de promovermos o conceito de ganha-ganha em um cenário geral de calamidade. Assim é possível inferir ativamente no negócio e, com isso, conseguir um ressuprimento mais assertivo e com maior agilidade, mantendo um nível de serviço mais aceitável ao mercado e mitigando eventos impositivos.
Concluo então que, promover uma comunicação na cadeia viabilizando o ajuste dos lead-times, juntamente com reduções de lote de reposição, controle de custos operacionais e conhecimento da real demanda criada nesse momento (não a demanda criada no “caos”) torna-se uma prioridade para todos.
*É gestor de replenishment na Neogrid